quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O território e a vida quotidiana

Póvoa de Rio de Moinhos - ontem e hoje

Já vimos, nos artigos anteriores, como foi efectuado o povoamento, quem foram os povoadores e as dificuldades que sentiram as populações, para se fixarem no território. Dedicaremos esta pequena crónica ao dia a dia destas mesmas populações e ao território que ocuparam.
As povoações não eram aglomerados contínuos de casas como hoje geralmente acontece. Eram constituídas por pequenos pedaços de terra, necessária e suficiente à manutenção de uma família. A isto se chamou, na Idade Média, o casal, unidade base de povoamento.
À medida que a população foi crescendo, este sistema foi-se progressivamente desintegrando, mantendo embora os laços de relacionamento económico.
Como refere A. H. de Oliveira Marques, na sua História da Agricultura em Portugal, “cada herdeiro ficava sendo co-proprietário em vários casais” (pág 106).
As várias famílias, com o alargamento do grupo de relações de sangue original, acordavam em reconhecer um chefe, a quem chamavam o “cabeça de casal” (pág 107). Esta expressão ainda hoje é por nós utilizada quando, em processos de partilhas, há que nomear um dos herdeiros, em representação dos restantes, o cabeça de casal.
Estas famílias viviam à mistura com os animais do casal, geralmente ovelhas e cabras, o burro e também o porco, base complementar da dieta alimentar. As pequenas parcelas de terreno eram cultivadas com os instrumentos agrícolas da época: o enxadão, a foice, o arado e o mangual, etc.
Poderemos imaginar assim os primeiros povoadores, bem como os moleiros que se fixaram inicialmente muito próximo das ribeiras.
A vida quotidiana do moleiro tinha, além da pequena exploração familiar, o encargo de conduzir o moinho e vigiar o seu funcionamento.
A família do moleiro vivia com ele, muitas vezes num pequeno espaço, à mistura com os animais. A corrente das ribeiras era, às vezes, impetuosa, e tinham que abandonar tudo, como nos contou um interlocutor, nos depoimentos que estamos a recolher: lembra-se, numa noite, toda a família ter sido evacuada pelo telhado, pois as águas da ribeira invadiram tempestuosamente o moinho.
Como refere Orlando Ribeiro no seu livro Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, a concentração das chuvas nas estações menos quentes e a longa secura de Verão, dão origem a um período de Verão bem marcado, que imprime à vegetação herbácea, carácter estépico e explica a dominância de árvores e arbustos de folha perene (pág 8).
Temos assim o cultivo de cereais de sequeiro, com predominância para o centeio e a cevada, com algum trigo nos terrenos mais férteis. Mais tarde foi também introduzido o cultivo do milho.
Os campos eram pobres e por isso divididos em folhas ou parcelas, como referem os documentos antigos. Enquanto uma das folhas era semeada, a outra ficava de pousio para, um ano depois poder voltar a ser semeada. Este, com ligeiras alterações e melhoramentos, foi o sistema utilizado para tirar dos terrenos pobres o máximo rendimento. Havia entretanto que alqueivar, isto é, lavrar e não semear para que a vegetação espontânea não impedisse o restauro do solo.
Os moinhos foram o instrumento necessário para a transformação do grão em farinha, para produzir o pão centeio ou meado (parte centeio parte trigo), base essencial da alimentação nestes tempos.
Na próxima crónica ocupar-nos-emos dos moinhos e dos pisões.

José Antunes Leitão

Fonte: http://www.reconquista.pt/noticia.asp?idEdicao=166&id=11876&idSeccao=1651&Action=noticia