segunda-feira, 19 de julho de 2010

A última forneira

Póvoa de Rio de Moinhos, ao contrário da maioria das aldeias da região, não tinha forno comunitário. No entanto, havia vários fornos a que as mulheres recorriam para cozer o pão e fazer os bolos por alturas das festas, o da Casa Fonseca, o da Sr.ª D. Isabel e o do Sr. Francisco Vaz. O último destes fornos a funcionar para o “povo” situava-se na Rua do Forno e era propriedade da família Fonseca. As pessoas que o usavam pagavam a poia, este pagamento era feito em bolos ou pão. A última forneira, Vitória dos Ramos tratava do forno. O marido e a filha, Olívia, iam à lenha para o forno, que era essencialmente giestas e codeços, que arrancavam nos terrenos dos patrões.

Quando alguém queria cozer pão, dirigia-se a casa da forneira para buscar a massa levedada, porque na época não havia fermento. Então era ela que guardava numa tigela alguma massa levedada que era entregue à cliente, que antes de cozer o pão deixava novamente a tigela, ou malga (como se diz na Póvoa), com massa levedada para ser utilizada pela cliente seguinte.

Como era o único forno ao serviço da comunidade, no final da década de 60 princípios de 70, por altura das festas era preciso agendar o dia em que se cozia com alguma antecedência. Apesar da ti Vitória não saber ler conseguia conciliar as coisas para que ninguém ficasse prejudicado e toda a gente pudesse cozer. Por isso o forno começava a arder de manhã bem cedo e terminava pela noite dentro, iluminado por uma candeia de petróleo. Como havia muita gente a cozer ao mesmo tempo, porque o forno era grande, ela mandava colocar um pedaço de giesta ou codeço nas latas de uma das clientes, para depois de cozidos diferenciarem os bolos, o mesmo acontecendo no pão.

O forno era composto por duas divisões, uma com entrada para a rua do Forno, e que dava directamente para o forno, espaço grande, com bancadas grandes em pedra, onde se colocavam as latas com os doces, os tabuleiros de pão e onde se amassava. A outra, separada desta por uns degraus era onde se armazenava a lenha que os carros de bois descarregavam na rua da Fonte. A lenha muitas vezes chegava quase ao tecto que era bem alto, revelando o trabalho difícil da Olívia.

Apesar da ti Vitória ser apenas forneira, ensinava muitas vezes a fazer os bolos, porque a massa estava muito branda e precisava de farinha ou porque eram precisos mais ovos. Falava alto e gesticulava muito! Trabalhou até ao final da sua vida no forno, apesar da doença que a atormentava.

No final do dia, a ti Vitória dirigia-se a casa da Senhora (patroa) para lhe entregar as poias. Dividiam os produtos entre as duas, duas partes para a “Senhora” e uma para ela. Como recebiam muitos pães e bolos vendiam-nos depois a quem não cozia.

Com a emigração e as mudanças sociais novos fornos foram construídos na Póvoa. Hoje já não há a profissão de forneira. No entanto, são muitas as pessoas que cozem o pão e os bolos, nos seus próprios fornos, por isso na semana da Páscoa são várias as ruas onde cheira a bolos, uma tradição que ainda se mantém, na nossa terra.

O forno foi demolido e no seu lugar construiu-se uma habitação. Para a memória fica apenas o nome da rua, “Rua do Forno” e a lembrança dos mais velhos da Vitória dos Cotovios, a última forneira da Póvoa.

Lucinda Martins

Fonte:http://www.reconquista.pt/noticia.asp?idEdicao=237&id=21987&idSeccao=2597&Action=noticia

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