domingo, 28 de junho de 2009

O cultivo dos campos: um prazo da Ordem de Avis

Póvoa de Rio de Moinhos – ontem e hoje

No século XVIII, tal como hoje, existiam pequenos, médios e grandes proprietários agrícolas. Mas algumas famílias não cultivavam as terras, por diferentes motivos. Noutros casos, elas pertenciam a entidades não vocacionadas para a actividade agrícola: comendas, confrarias, conventos… Uns e outros arrendavam as suas terras, ou emprazavam-nas, como se dizia na época, a lavradores, a troco do foro, a renda de então.
Um dos grandes proprietários da Póvoa era a Ordem de Avis, que aqui detinha terras, desde os tempos medievais. Estas e as outras propriedades desta ordem no concelho de S. Vicente da Beira formavam uma comenda, dada a comendadores, da família dos Costas, grandes nobres que sempre ocuparam o cargo de armeiro-mor do Reino.
Um conjunto de propriedades da Póvoa, pertencentes a esta comenda de S. Vicente da Beira da Ordem de Avis, andava há várias gerações na posse da família Malha. Nessa época, os contratos eram por três vidas, podendo os foreiros transmitir a posse das terras emprazadas aos seus descendentes, por muitas gerações.
Em 1766, Catarina Brás, irmã do P.e Manuel Rodrigues Malha, o cura das Memórias Paroquiais, requereu à Ordem de Avis a renovação do prazo que trouxera seu irmão Dionísio Rodrigues Malha, o qual falecera solteiro e sem descendência.
Este prazo era formado por sete propriedades, cujos direitos de usufruto Dionísio Rodrigues Malha herdara de seu pai, Manuel Rodrigues Malha, de sua tia solteira, Brites Fernandes, e de Miguel Nunes.
É deste prazo que Catarina Brás reivindica a posse, apesar de já deter um outro, possivelmente também da comenda de Avis, que herdara do seu tio Vicente Fernandes, como herdeira mais directa.
O prazo emprazado a Catarina Brás era formado pelas seguintes propriedades:
Meia sorte de terra na folha da Cabeça Carvalha, ao Vale do Sabugal: era terra sem árvores, com um curral, que produzia centeio e alguns feijões fradinhos; pagava de foro meio alqueire de trigo, três quartas de centeio e meia galinha.
Uma sorte na folha de Cea, no Porto Cozendo: semeava-se de centeio e tinha alguns carvalhos; pagava alqueire e quarta de trigo, três meios de centeio e uma galinha.
Outra sorte na folha de Cea, nas Várzeas: era terra pobre e cultivava-se de centeio; pagava alqueire e quarta de trigo, três meios de centeio e uma galinha.
Uma sorte na folha do Vale da Vinha, da parte dalém da ribeira: era terra sem árvores, muito pobre e fria; produzia centeio e pagava um alqueire de trigo, outro de centeio e uma galinha.
Uma sorte na folha do Vale da Vinha, ao Cabeço da Cerejeira: tudo eram cabeços, sem árvores algumas; produzia centeio e pagava meio alqueire de centeio, meio alqueire de trigo e uma galinha. Esta sorte e as anteriores só pagavam foro no ano da cultivação, que era de três em três anos. Nos outros anos, ficavam de restolho e de relva, para os gados. O foro correspondia a um oitavo da produção.
Uma terra na Horta do Salvado: tinha uma figueira e era terra muito fria e de cabeços e lajes pelo meio; produzia centeio e pagava, todos os anos, um alqueire e uma quarta de trigo.
Um quintal ao pé da Igreja da Póvoa: tinha duas figueiras e duas oliveiras, levava de semeadura uma quarta de centeio e pagava um alqueire de centeio, todos os anos.
Catarina Brás pagava o foro ao prioste, «…por dia de Nossa Senhora de Agosto. E o trigo e centeio há-de ser bom e de receber, limpo de pá e vassoura, do melhor que derem as terras do dito prazo…». O prioste era quem, localmente, arrecadava as rendas devidas à comenda de Avis.
Em próximo artigo, abordaremos a questão da propriedade comum e privada dos espaços agrícolas.

(ANTT, Ordem de Avis, A Catharina Bras, carta de emprazamento em vidas, livro 42, fólios 144 a 159)

José Teodoro Prata

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