Decorriam os anos sessenta. A lida da maioria dos homens e das mulheres ainda se fazia no campo, no entanto para além das costureiras, ferreiros, merceeiros, sapateiros, pastores e demais ofícios, alguns, na verdade poucos, conseguiram empregar-se na cidade ou na vila de Alcains. Precisamente aí laborava a Dona Benvinda, na leitaria dessa localidade, onde auferia, como salário semanal, a quantia de noventa e sete escudos.
Foi neste local que conheceu um engenheiro casado com uma senhora de origem francesa. Esta ‘Madame’ viria a convidar a nossa protagonista de hoje, para servir na sua casa e cuidar dos seus filhos, em França. Assim, em Janeiro de 1963, contrariando a vontade de sua mãe, Dona Benvinda rumou a Paris. A viagem fez-se de comboio. Na mala seguiam alguma ansiedade, muitas expectativas e, também, um passaporte de turista. Tempos depois, por intermédio dos seus patrões, tornou-se uma cidadã legal naquele país. Passados cerca de dois anos, conheceu aquele que viria a ser o seu marido pelo que, após o matrimónio, alugou uma pequena casa numa localidade próxima da capital francesa.
Apesar dos enormes obstáculos da língua, da difícil adaptação ao estilo de vida daquelas gentes e do afastamento da família, reconhece agora, ter sido uma afortunada, uma abençoada, por facilidades que minimizaram alguns sofrimentos.
A mesma sorte, porém, não coube a muitos homens e mulheres que, nos anos seguintes, tentaram alcançar as fronteiras desse país onde a vida era, naquele tempo, bem melhor. Nessa década, seguiram para França várias dezenas de pessoas da nossa aldeia, calcula-se que mais de cinquenta. Alguns iam com carta de chamada, sabiam portanto que a viagem se faria sem medos e que uma vez chegados ao seu destino, teriam abrigo, trabalho e alguém que os orientasse. No entanto, muitos outros incorreram em perigos enormes para finalmente alcançarem o El Dorado tão desejado. Quantos homens e mulheres se aventuraram pelas densas serras onde foram guiados por passadores! Estes passadores ou contrabandistas geriam, então, um negócio lucrativo. Por seis, sete e oito contos de réis, acompanhavam os aventureiros até à fronteira do país vizinho, onde homónimos espanhóis os esperavam, se lhes cabia a sorte de combinarem o trato com um passador sério. Já os passadores desonestos, após receberem o combinado, é bom de ver, abandonavam os coitados nas serras entregues à sua própria sorte, vagueando perdidos durante semanas e semanas, correndo, entre outros riscos, o de serem descobertos por guardas portugueses ou espanhóis que por vezes os espancavam sem dó nem piedade. Quem recorda esta experiência diz ser impossível esquecer a noite em que cruzaram a fronteira. Relatam episódios de longas caminhadas, boleias de camionistas ou de compadecidos condutores de carrinhas de caixa aberta, onde lhes era permitido viajar escondidos por entre a mercadoria.
Mas, como é sabido, a sorte protege os audazes e, felizmente, por lá vingaram todos os que procuraram esse destino. Os anos foram passando e os emigrantes trouxeram as novidades de além fronteiras. Estas espelharam-se nas roupas, nos carros e até nas casas que construíram. Os franceses, como passaram a ser chamados, enchiam de cor e animação os meses quentes que aproveitavam para matar saudades da família.
O mesmo sucedeu com a Dona Benvinda, que durante mais de quarenta anos voltou à sua aldeia natal. Regressou definitivamente em 2002, deixando em Maison Laffitte, dois filhos e uma casa própria da qual desfruta por alguns meses, sempre que a vontade lhe pede.
As vivências passadas naquele país permanecerão, para sempre na sua pessoa. O balanço é positivo. Valeu e muito a pena ter emigrado.
Célia Freire da Cruz
Fonte: http://www.reconquista.pt/noticia.asp?idEdicao=208&id=17737&idSeccao=2207&Action=noticia
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