quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Em Janeiro de 1963 emigrei para França

A narrativa que hoje apresento retrata, em breves palavras, momentos importantes da vida de uma nossa conterrânea. Estou certa de que alguns dos senhores leitores, em particular os desta geração, reconhecerão na história da Dona Benvinda Matos Pinto talvez a sua própria história. Ela, que na aldeia foi pioneira na aventura de construir uma vida lá fora, mais propriamente em França, iniciou um novo ciclo de emigração dos habitantes desta terra.

Decorriam os anos sessenta. A lida da maioria dos homens e das mulheres ainda se fazia no campo, no entanto para além das costureiras, ferreiros, merceeiros, sapateiros, pastores e demais ofícios, alguns, na verdade poucos, conseguiram empregar-se na cidade ou na vila de Alcains. Precisamente aí laborava a Dona Benvinda, na leitaria dessa localidade, onde auferia, como salário semanal, a quantia de noventa e sete escudos.

Foi neste local que conheceu um engenheiro casado com uma senhora de origem francesa. Esta ‘Madame’ viria a convidar a nossa protagonista de hoje, para servir na sua casa e cuidar dos seus filhos, em França. Assim, em Janeiro de 1963, contrariando a vontade de sua mãe, Dona Benvinda rumou a Paris. A viagem fez-se de comboio. Na mala seguiam alguma ansiedade, muitas expectativas e, também, um passaporte de turista. Tempos depois, por intermédio dos seus patrões, tornou-se uma cidadã legal naquele país. Passados cerca de dois anos, conheceu aquele que viria a ser o seu marido pelo que, após o matrimónio, alugou uma pequena casa numa localidade próxima da capital francesa.

Apesar dos enormes obstáculos da língua, da difícil adaptação ao estilo de vida daquelas gentes e do afastamento da família, reconhece agora, ter sido uma afortunada, uma abençoada, por facilidades que minimizaram alguns sofrimentos.

A mesma sorte, porém, não coube a muitos homens e mulheres que, nos anos seguintes, tentaram alcançar as fronteiras desse país onde a vida era, naquele tempo, bem melhor. Nessa década, seguiram para França várias dezenas de pessoas da nossa aldeia, calcula-se que mais de cinquenta. Alguns iam com carta de chamada, sabiam portanto que a viagem se faria sem medos e que uma vez chegados ao seu destino, teriam abrigo, trabalho e alguém que os orientasse. No entanto, muitos outros incorreram em perigos enormes para finalmente alcançarem o El Dorado tão desejado. Quantos homens e mulheres se aventuraram pelas densas serras onde foram guiados por passadores! Estes passadores ou contrabandistas geriam, então, um negócio lucrativo. Por seis, sete e oito contos de réis, acompanhavam os aventureiros até à fronteira do país vizinho, onde homónimos espanhóis os esperavam, se lhes cabia a sorte de combinarem o trato com um passador sério. Já os passadores desonestos, após receberem o combinado, é bom de ver, abandonavam os coitados nas serras entregues à sua própria sorte, vagueando perdidos durante semanas e semanas, correndo, entre outros riscos, o de serem descobertos por guardas portugueses ou espanhóis que por vezes os espancavam sem dó nem piedade. Quem recorda esta experiência diz ser impossível esquecer a noite em que cruzaram a fronteira. Relatam episódios de longas caminhadas, boleias de camionistas ou de compadecidos condutores de carrinhas de caixa aberta, onde lhes era permitido viajar escondidos por entre a mercadoria.

Mas, como é sabido, a sorte protege os audazes e, felizmente, por lá vingaram todos os que procuraram esse destino. Os anos foram passando e os emigrantes trouxeram as novidades de além fronteiras. Estas espelharam-se nas roupas, nos carros e até nas casas que construíram. Os franceses, como passaram a ser chamados, enchiam de cor e animação os meses quentes que aproveitavam para matar saudades da família.

O mesmo sucedeu com a Dona Benvinda, que durante mais de quarenta anos voltou à sua aldeia natal. Regressou definitivamente em 2002, deixando em Maison Laffitte, dois filhos e uma casa própria da qual desfruta por alguns meses, sempre que a vontade lhe pede.

As vivências passadas naquele país permanecerão, para sempre na sua pessoa. O balanço é positivo. Valeu e muito a pena ter emigrado.

Célia Freire da Cruz

Fonte: http://www.reconquista.pt/noticia.asp?idEdicao=208&id=17737&idSeccao=2207&Action=noticia

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