domingo, 29 de março de 2009

De um lado as taleigas, do outro, eu

Já falámos das origens, do território e seu povoamento e também dos moinhos. Como se referiu, destes restam apenas ruínas. Com o evoluir dos tempos, esta actividade que passava de pais para filhos, desapareceu. As culturas passaram a ser outras, a concorrência de outras indústrias e uma mudança total nas sociedades, contribuíram para o seu desaparecimento. Hoje, já não há moleiros. Contudo, ainda há alguns filhos de moleiros que viveram anos e anos com os pais e os avós nos moinhos. Fomos procurá-los e conversar com eles, recordando esses tempos.

Falámos com Maria José Santos, hoje com 67 anos. Viveu até aos 15 anos na azenha que era no Pontão. Era uma azenha grande com uma só pedra. Próximo, havia mais moinhos e azenhas. Na sua azenha moíam milho e centeio. Não tinham a pedra própria para moer trigo. Esta era uma pedra especial, mais fina.

As pessoas do povo que trabalhavam para as casas grandes recebiam pouco dinheiro. A fanega era paga sobretudo em centeio e azeite e às vezes trigo. Era preciso, por isso, mandar moer estes cereais.

O moinho tinha um pequeno terreno onde semeavam hortaliça e batatas. A comida era simples: de manhã, feijões pequenos cozidos, ao almoço, uma sopa que muitas vezes levava ervas selvagens, chamadas diabelhas e bredos. O jantar era outra vez sopa com o conduto: um bocado de toucinho, morcela ou farinheira. Não havia frigorífico: estas iguarias eram guardadas num arcaz e o sal ajudava a conservar.

Tinham animais de criação: borregos, galinhas e o porco. Às vezes a raposa ou o tourão (gato bravo) matavam as galinhas.

Disse-nos também que, de pequenina, com 7 anos, montada na burra, ía a Tinalhas, entregar as taleigas da farinha e que às vezes a carga se virava. De um lado íam as taleigas, do outro, ela sentada a fazer de contrapeso.

A vida no moinho era difícil. Era preciso picar as pedras para as manter em condições de moer e quando os alcatruzes da azenha se estragavam, vinham uns homens do Louriçal consertá-los.

Contou que subiam para os pontos altos quando a ribeira enchia de repente. A ribeira não corria o ano todo. Havia anos em que moíam até Junho. Quando já havia pouca água esta era represada e distribuída por eles e pelos moinhos da vizinhança. Mas quando não havia água, funcionava a atafona: esta era movimentada por um animal que fazia girar a pedra de moer através de um conjunto de rodas articuladas.

Falámos ainda com Joaquim Ascensão Mateus, de 68 anos . Viveu até aos 12 anos num moinho que era da avó Ascensão. Passou depois para a mãe, Benedita Ascensão. O moinho, hoje em ruínas, fica na Ribeirinha, ao lado do que a Câmara Municipal está a recuperar.

Íam a Tinalhas recolher os cereais para moer, milho e centeio principalmente. Moíam também para as casas grandes: (D.Antónia, casa Fonseca, Martinho Dias, etc).

Havia também na Póvoa homens que, na altura das ceifas, íam para o Alentejo trabalhar. A ceifa durava cerca de 30 a 40 dias. No regresso, como eram pagos em cereais, mandavam fazer farinha à medida que precisavam.

A maquia era a parte que cabia ao moleiro pelos serviços prestados. Por cada meio alqueire de centeio ou milho, cabia ao moleiro meio litro.

A pedra era regulável e quando era para moer milho para as papas, subia-se um pouco. O carolo, assim se chamava o milho das papas era muito procurado na altura dos Santos e do Natal.

Tal como a nossa interlocutora acima referida, descreveu-nos também a vida no moinho: as refeições, as instalações e os cuidados que era preciso ter quando havia cheias. Uma vez tiveram que ser tirados pelo telhado para escapar.

A Ribeirinha secava mais cedo que a Ocreza. No Verão não moíam e quando chegavam as primeiras chuvas, andavam ansiosos para recomeçarem nos meses de Outubro e Novembro.

A pedra era movimentada pelo rodízio que era de penas, em madeira de pinho. Sobre estas caía a água da levada para o movimentar. A água era represada cá mais acima para ganhar desnível e como não havia cimento, às vezes era preciso reforçar as pedras do açude com ervas e terra batida.

Com estes homens e mulheres desapareceram histórias de vida que as próximas gerações já não conhecerão. Gravámos, por isso o seu depoimento. Aqui fica apenas um resumo.


José Antunes Leitão


Fonte: http://www.reconquista.pt/noticia.asp?idEdicao=172&id=12751&idSeccao=1729&Action=noticia 

1 comentário:

Anónimo disse...

necessario verificar:)